quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

O HOMEM QUE EU DEVIA AMAR

Estou agora diante do homem que devia amar. Ele esta rindo, descontraído e alegre, falando com nossas filhas. Estamos jantando e fazemos planos para o futuro. Muitos planos. Nossa caçula vai se casar em breve _ Janete está entusiasmada pela festa, viagem de lua-de-mel e o próprio casamento, que para ela representa uma aventura. Suas duas irmãs já se casaram há alguns anos e não compartilham tanto o seu entusiasmo. Eu, que me casei há quase trinta anos deixo que ela sonhe e vibre e faça como achar melhor.

Fico observando todos eles, um por um. Estou presente e estou ausente. Como sempre.

Meu marido:

Jorge tem uma doçura natural que só se compara à sua ira, quando contrariado. Se eu fico quietinha e me finjo de morta, tudo acaba bem e sou recompensada de todas as maneiras conhecidas: atenção, flores, presentes. Se ajo como desejo, sem esperar sua aprovação, o cenário muda totalmente, o tempo fecha _ há chuvas e trovoadas. Relâmpagos perigosos ameaçam destruir aparelhos elétricos, minha alegria natural, minha sanidade. Então tento me esquivar das minhas vontades atrevidas, saio muito pouco sozinha, converso na sua presença com o cuidado de quem caminha sobre ovos, todas as palavras pensadas e repensadas para não ofender, não provocando assim mais uma descarga elétrica.

O homem que eu deveria amar, tem porem qualidades inquestionáveis. Já vivi o bastante para saber que não existe som sem silêncio, claro sem escuro, o bem sem o mal. Ele carrega em si a força de sua personalidade marcante, a bondade irrestrita de quem se coloca no lugar dos outros em qualquer situação, a compaixão inata pelos que sofrem, a disponibilidade eterna. Bastaria talvez uma só destas belas características para que eu o amasse, mas não o amo. Por que não o amo? O que é o amor afinal? Um tema absolutamente abrangente e polêmico, discutido em tratados, documentos, obras filosóficas inteiras. Devo confessar que nada sei de conclusivo sobre o amor. Vivi já meio século, tive pai, mãe, avós, tios e primos, pari três filhas, sobrevivi a muitas armadilhas, brinco com meus netos, loucamente e ainda assim sou quase analfabeta em amor. “O amor não é um sentimento, mas uma conquista”;“O amor não é paixão, mas doação“;“O amor é a própria essência da vida.” E blá, blá, blá. O que tudo isto significa exatamente? Como descrever a benção de amar e a natureza divina do amor com meras palavras de um vocabulário parco? Amei, amo, amarei, sem saber exatamente o que se passa comigo? Estarei sempre atônita diante da emoção, como quando tinha 15 anos?

Conheci Jorge aos 15 anos. Eu estava com duas primas numa festa de aniversário qualquer e me lembro bem da sensação de inadequação que sentia. Eu não era bonita, não era graciosa e nem sequer simpática. Minha timidez era mortal, as espinhas no meu rosto causavam erupções desconfortáveis nas partes mais estranhas: ponta do nariz, orelhas, o meio da testa. Meu vestido era meio velho, os sapatos os mesmo com que eu ia à escola – grosseiros e pesados. Eu olhava em torno desamparada, aguardando a hora de ir para casa ou, quem sabe, um milagre. Ele se aproximou. Um garoto lindo, alegre, popular. Falou comigo, dançou comigo e parecia não perceber o quanto eu me sentia deslocada. Fiquei infinitamente grata, eu acho, era como se ele me redimisse de mim mesma, da minha falta de beleza e graça. Da minha carapaça de ferro.

Apesar da alegria que me dava a sua companhia e o fato de ser aceita através dele, como namorada dele, durante os anos duros da minha adolescência, nunca meu coração se acelerou na sua presença, nunca meus olhos brilharam ao falar nele ou tremi de emoção ou outro sentimento qualquer. Seria um sintoma da minha total incapacidade de amar, o fato de uma garotinha sem graça e sem amigos, não se apaixonar pelo belo, leal e querido rapaz que a cobria de atenções, fazendo todas as suas vontades? Só sei que depois da adolescência, vieram tempos um pouco melhores em que eu me senti mais segura. A fase adulta me encontrou equilibrada, centrada, cultivando minha auto-estima. A maturidade me deu forças, coragem, alegria de viver. Em todos estes trinta e cinco anos Jorge esteve comigo. Em todos estes trinta e cinco anos ele me amou, apoiou, admirou, sentiu ciúmes fundados e infundados. Em todos estes anos eu me senti absolutamente sozinha.

Nenhum comentário: