segunda-feira, 17 de março de 2008

O rapaz da academia

Ouvi quando o chamaram de Cris, mas Cris é diminutivo de tantos nomes... Talvez ele se chame Cristiano, Cristóvão, Crisóstomo, ou até mesmo Cristo ou Cristino _ tive um vizinho com esse nome, mas o fato de o chamarem Cris é quase tudo o que sei do rapaz da academia.

Quer dizer, ele não é exatamente um rapaz, deve estar beirando os cinqüenta, mas ainda se encontra com aquele tipo de físico, que uma amiga minha classificaria como “comível”, “ comestível” , por mais grosseiro que isto pareça, posto no papel. Bom, mas Cris, o rapaz da academia que já não é um rapaz e é muito comestível, é também alguém com quem me encontro religiosamente às sete e meia de todas as manhãs, exceto aos domingos, sem nunca ter trocado sequer uma palavra ou um olhar.

Ouso mesmo dizer, que de todas as pessoas que já não me olharam
(e muitas não o fizeram...) , Cris foi quem melhor não me olhou.

O não-olhar de Cris é tão intenso, que quando ele se encontra na esteira ao meu lado, suando como eu, sou capaz de contar facilmente o número de vezes em que ele não me olha, atenta que fico ao reflexo no espelho de frente, onde fica duplicada sua grande indiferença.

Talvez seja desconfortável para alguns, serem assim ignorados pelo companheiro de tantas manhãs, mas a mim isto não incomoda. Quando estamos lado a lado, ou frente a frente, nosso absoluto ato de ignorar um ao outro, chega a ser amigável, cordial, quase cúmplice.

Há qualquer coisa de muito criteriosa na maneira com que ele não me olha: _ Existem os ares ausentes, distantes, em que ele parece levitar pelo Himalaia; os compenetrados, em que fica imerso nos próprios pensamentos; os absortos, quando contempla a luminária com sublime fervor; ares subitamente atentos, quando qualquer um que passe, exceto eu, é motivo de um giro completo de 90 graus do lindo pescoço musculoso. Um jeito displicente, outro alerta, alguns ares mais sutis e delicados, suavizam às vezes sua expressão como se ele visse os Jardins do Éden ao longe, ou se encontrasse em completo estado de Nirvana.

O cuidado e a atenção que requer um absoluto não-olhar é qualquer coisa de assombroso. Mais fácil carregar pedras ladeira acima do que não fitar jamais o que se encontra à sua frente, por isto acho o Cris um completo herói, um deus, um mágico.

Como em sua mão esquerda brilha uma grossa aliança de ouro, deduzo facilmente que o fato de ser um homem casado faz dele um não-olhante ativo. Pode ser que na sua mente, a fidelidade cintile nos tons dourados e preciosos do não-olhar ostensivo e estudado a todas as mulheres mais ou menos atraentes que estão a um perigoso raio < 5 m de distância.

Ah, como ele me emociona e intriga. Desejo assim conhecer e catalogar cada precioso momento que passo admirando a força hercúlea que Cris faz para observar o observante com requintes sutis de não olhar.__ Que homem !!!

Como respeito e aplaudo silenciosa e sinceramente esse colega... Pudesse eu lhe pediria um autógrafo em meu velho tênis Nike, ao que ele, pego de surpresa, talvez me encarasse pela primeira vez.

(04/04/2005)

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