segunda-feira, 5 de maio de 2008

EM CASA NO SÁBADO A NOITE

Outro sábado... outra noite... mais uma de tantas. Ligo a TV, pego um livro, o lap top, a taça de vinho, o queijo. Me instalo na mesa da sala, pronta para ser adulta, madura e enfrentar a situação onde me sinto absolutamente abandonada _ por Deus, pela vida, pelos amigos, pelos filhos e principalmente por todos aqueles amores que foram tão efêmeros que passaram sem ter sido sequer uma companhia real para noites assim.

Divorciadas existem aos montes, em cada canto do universo, do pais, da cidade. Mulheres que optaram por viver sozinhas, ou que tiveram que aceitar a escolha dos parceiros. Na verdade não faz a menor diferença. Os ex-maridos e ex-amantes estão invariavelmente nos restaurantes e bares nas noites de sábado, acompanhados de namoradas que podiam ser suas filhas, ou netas. Mas isso não vem ao caso... felizes deles que riem e comem e se contentam com o que têm. Nós, a maioria das mulheres, cientes da nossa feminina condição, somos bem mais exigentes... e bem mais preconceituosas. Afastamos com um aceno os pretendentes jovens demais, caso apareçam. Afastamos igualmente os chatos, os casados, os galinhas, os inconstantes, os mau-caráter ... e com isso lá se vão todas as possibilidades, uma a uma, pelo ralo. O que nos resta são os livros, os filmes, as taças de vinho e a sensação esquisita de estarmos jogando fora algo muito precioso_ os últimos vestígios da nossa juventude encantada, assim como as chances de nos apaixonarmos por um sorriso maravilhoso e um olhar ardente.

Minha cadela me olha com carinho. Estou sem paciência para carícias e não sorrio. Depois penso que ela só tem a mim... que por meu lado só tenho a ela, e a coloco no meu colo. Sou uma mulher madura e bem resolvida. Não devo me entregar ao desespero . Pelo menos não ainda. Talvez eu tenha alguns trunfos na manga... Hummmm, vejamos: Sempre há o Sérgio... posso ligar agora e com certeza ele estará aqui em quinze minutos. Vai falar e falar de si, como sempre, o mesmo chato a cada encontro. E vai querer me agarrar e seu beijo me dará enjôo de estômago. Não. Não absoluto ao Sérgio.

Posso chamar uma ou duas amigas para ver um filme e tomar um vinho... de novo. Como na semana passada, como na anterior. A mesma sensação de abandono duplo ou triplo... acabamos nos consolando uma à outra, dizendo que a vida é assim... que os homens não tem idéia do que estão perdendo ao não nos convidar para sair. Não. De novo não.

Visitar mamãe, levar um bolo, falar de bordados, empregadas e receitas? Assumir de vez minha incompetência em ser jovem, autosuficiente e moderna? Assinar meu atestado de desistência de todos os sonhos de amor, romance e sexo selvagem? Entregar de bandeja minha rendição: _Sim, você e todos tinham razão, querida. Meu lugar é mesmo na cozinha, em casa, nos afazeres domésticos e na vida regular. Fui uma sonhadora, uma boboca. Sou uma mulher acabada para o mundo. Devo recolher do varal minhas anáguas e voltar para os recessos do meu lar... _ NÃOOOOOO!!!!!!!

Posso pegar o carro e ir ao cinema, ao shopping, à sorveteria. Posso me sentar na primeria fila ou na última que , de qualquer forma, me sentirei sozinha. Como não estarei indo por um desejo real e legítimo, mas para preencher o tempo e a sensação de inadequação, de nada me valerá sair e fingir que estou me divertindo. Estarei representando a “Linda Mulher Divorciada e Liberada Que é Autosuficiente”. Quem estará interessado nessa minha representação? A quem eu impressionaria com o papel encantador de Mulher Maravilha e Solitária? Quantos olhos se voltariam à minha passagem, questionando minha aparência, minha performance, minha bolsa Victor Hugo?

Eu desfilaria com um sorriso falso e congelado nos lábios, porque naturalmente estaria me sentindo sozinha e abandonada como me sentia em casa. Eu olharia vitrines sem qualquer interesse, porque também teria a sensação de estar vazia e depredada, como se diante da TV. Eu tomaria um sundae de chocolate como quem se entrega a uma aventura extra conjugal... mas no fundo estaria me sentindo abandonada e esquecida como quando percorro os sites de relacionamentos da internet, em busca do meu Par Perfeito... Tudo igual. Tudo na mesma.

Uma viagem? Poderia ir pro Japão em três tempos, pro Egito, pra Indonésia, pro Marrocos... e minha solidão circunstancial me acompanharia como um cão ao seu dono... E ao chegar ao hotel de poucas ou muitas estrelas, meu sono demoraria a chegar, embrulhado que estaria nas abstrações de sempre e nas mesmas dúvidas: _ seria esse o meu destino final? Eu estaria acabada para os relacionamentos, para o amor, por um decreto-lei? Ou a mesma averbação que me instituiu o divórcio? Quem sabe meus quarenta e tantos pesassem mais do que imaginei, envoltos em papel pardo e amarrados em pedras que me conduziriam invariavelmente ao fundo do mar, do rio, ao fundo do poço, caso eu insistisse em ser feliz e me apaixonar e ser amada de novo?

Se eu me inscrevesse em um curso de culinária, de filosofia, de Gestão do Meio Ambiente ou computação estaria inventando atalhos para suportar a mesma dor. A solidão me bateria à porta com menos frequência, mas com igual intensidade. Aulas de dança de salão não me consolariam. Nem passar as manhãs na academia ou no cabelereiro, como tantas conhecidas.

De volta à minha noite de sábado, me sinto muito lúcida. Me coloco no meu lugar... o mesmo de tantas que como eu estão em casa nesse instante. Não tenho respostas. Nem soluções . Minha varinha de condão não funciona para casos assim, meu discernimento não é suficiente. Constato que preciso de terapia, algo a que me agarrar contra a impotência diante da falta de opções. Caso a culpa seja minha tentarei reverter o processo e me sentir muito feliz mesmo que passe todos os finais de semana da minha vida diante da TV ligada. Se houver o que fazer, desde que eu não precise me entupir de cerveja e circunstâncias falsas, tais como festas loucas, companhias desagradáveis, bares lotados, eu o farei. Desde que eu não precise me contentar com “passar o tempo”, ou fazer o que outros fazem só por fazer, sem entusiasmo nem paixão, eu também o farei para que meus sábados sejam ricos e aventureiramente agradáveis... caso contrário...

Talvez eu me adapte, talvez envelheça serenamente. Talvez eu compreenda, enfim, o valor da solidão que me assola. E já não me sinta desolada quando puder enxergar todo o quadro de um ponto distante, analiticamente, filosoficamente, psicologicamente. Talvez eu seja sábia, realmente amadurecida e esclarecida quando for outro dia, outro sábado, outra vez a mesma história da qual não tenho qualquer culpa, ou desculpa, ou participação. Na qual não tenho livre arbitrio, exceto o de cumprir regularmente a minha sina de divorciada e solitária à espera de que algo aconteça.

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